CORAGEM
"Quem perde seus bens perde muito; quem perde um amigo perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo." MIGUEL DE CERVANTES |
CORAGEM
”A pior coisa do mundo é a pessoa
não ter coragem na vida.” Pincei essa frase do relato de uma moça chamada
Florescelia, nascida no Ceará e que passou (e vem passando) poucas e boas: a morte
da mãe quando tinha dois anos, uma madrasta cruel, uma gravidez prematura, a
perda do único homem que amou, uma vida sem porto fixo, sem emprego fixo, mas
sonhos diversos, que lhe servem de sustentação. Ela segue em frente porque tem
o combustível que necessitamos para trilhar o longo caminho desde o nascimento
até a morte. Coragem.
Quando eu era pequena, achava que
coragem era o sentimento que designava o ímpeto de fazer coisas perigosas, e
por perigoso eu entendia, por exemplo, andar de tobogã, aquela rampa alta e
ondulada em que a gente descia sentada sobre um saco de algodão ou coisa
parecida. Por volta dos nove anos, decidi descer o tobogã, mas na hora H,
amarelei. Faltou coragem. Assim como faltou também no dia em que meus pais
resolveram ir até a Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de pescador. No
momento de subir no barco, desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu irmão, e eu
retornei sozinha, caminhando pela praia, até a casa da vó.
Muita coragem me faltou na
infância: até para colar durante as provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e
mãe, nem pensar. Ir de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me
atrevia. Travada desse jeito, desconfiava que meu futuro seria bem diferente do
das minhas amigas. Até que cresci e segui medrosa para andar de helicóptero,
escalar vulcões, descer corredeiras d’água. No entanto, aos poucos fui
descobrindo que mais importante do que ter coragem para aventuras de fim de
semana, era ter coragem para aventuras mais definitivas, como a de mudar o rumo
da minha vida se preciso fosse. Enfrentar helicópteros, vulcões, corredeiras e
tobogãs exige apenas que tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina.
Coragem, mesmo, é preciso para
terminar um relacionamento, trocar de profissão, abandonar um país que não
atende nossos anseios, dizer não para propostas lucrativas porém vampirescas,
optar por um caminho diferente do da boiada, confiar mais na intuição do que em
estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado
da vida convencional. E, principalmente, coragem para enfrentar a própria
solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano.
Não subi no barco quando criança – e
não gosto de barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e
voltei sozinha pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo,
acreditando que era medrosa. Mas o que parecia
medo era a coragem me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo
solitário, quando aprendi que toda escolha requer ousadia.
Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 06/2012
Fã dos seus textos, mãe de duas filhas de 10 e 12 anos, já adoradoras de uma boa leitura, vinha sendo cobrada permiti-las conhecerem o trabalho de Martha. Argumentei que, enquanto fossem crianças, não conseguiriam perceber a sutilileza, sensibilidade e profundidade de seus pensamentos.
Daí, poderia vir o perigo de não lhe darem o devido valor. Mas, diante de CORAGEM, mudei de ideia. Imprimi uma cópia para cada uma e fizemos uma leitura a três. Experiência muito bem sucedida, veio a pergunta da caçula: "Por que você mudou de ideia e nos deixou ler Martha Medeiros, mamãe?" Prontamente, respondi: "Com CORAGEM, ainda que sem saber, ela está contribuindo, para o sucesso do meu trabalho de mãe." Nada mais a declarar, diante de tamanha simplicidade e sabedoria, espero que o texto tenha tocado-os como tocou as minhas filhas. Onde está escrito que projetos só podem começar nas segundas? Aproveitem o domingo...
Fonte Imagem: INTERNET
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